A necessidade de avaliação da educação
Há um “consenso generalizado de que a Educação, pela
qualidade do capital humano que forma, é um factor decisivo na economia de um
país” (p.1) [10]. Nesta conformidade, os governos de muitos países, confrontados
com resultados decepcionantes e com níveis de insucesso elevados e
indesejáveis, relativos à numeracia e literacia das suas populações estudantis,
constatados em programas de avaliação, de aplicação supranacional, têm
evidenciado o seu interesse e a sua preocupação nos sistemas educativos, quer
no que respeita à eficácia da escola, quer, nos últimos tempos, no que à
qualidade da própria acção docente, se refere.
Torna-se tendência corrente a introdução de medidas de
prestação de contas, exigidas às escolas públicas, de forma a assegurar que
estas atinjam padrões de desempenho que garantam a qualidade máxima da educação,
para desta forma, enfrentar a globalização. Este sistema de prestação de
contas, orientado para objetivos e resultados, passa a ser implementado em
muitos países da União Europeia que ainda não o haviam desenvolvido,
“principalmente a partir do compromisso político comum assumido no Conselho
Europeu de Lisboa, em 2000, de ´transformar
a economia europeia na economia do conhecimento mais competitiva do mundo`”
(ibidem, p.1).
É deste modo que “a
agenda política europeia elege como conceitos – chave, na preparação para os
desafios da sociedade do conhecimento do século XXI, ´a eficácia educativa, o desenvolvimento profissional de professores e a
cultura de avaliação do desempenho organizacional` ” (p.2) [10].
“A implantação do processo de avaliação das escolas
constituiu uma das respostas das autoridades políticas e dos responsáveis pelos
sistemas educativos no sentido da melhoria da eficiência e da eficácia na
gestão dos recursos públicos atribuídos à educação”(p.38) [11].
O enfoque na preparação dos alunos, em termos de educação
e de aprendizagens, tem sido, nos últimos tempos, uma questão fundamental para a
Administração, diretamente assumida pela Inspeção Geral da Educação. Esta tem vindo
a “eleger como questões centrais no seu programa de trabalho acompanhar o
sucesso dos alunos e monitorizar e avaliar as condições que estão a ser criadas
em cada escola para pôr o sucesso ao alcance de todas as crianças e jovens,
independentemente das variáveis do seu contexto familiar” (p.216) [4].
A modernização dos sistemas educativos, passa a centrar-se
no desempenho profissional dos professores e na eficácia do ensino. Sinais
dessa modernização evidenciam-se: (i) na valorização crescente de uma cultura
de desempenho e de medição comparativa da eficácia do corpo docente; (ii) no
aumento, cada vez mais significativo, dos mecanismos de prestação de contas aos
parceiros de cada comunidade educativa; (iii) na necessidade de auto-avaliação
da escola e no consequente desenvolvimento de uma cultura de auto-aprendizagem,
direccionada para a melhoria dos seus níveis de eficiência e de eficácia; (iv) na
importância da formação contínua dos docentes e do seu desenvolvimento
profissional; (v) na preocupação com o sucesso escolar de todos os alunos,
independentemente da sua origem social (p.2) [10].
Sentidos e modalidades de avaliação da Educação
“A avaliação da educação
deve ser entendida em sentido amplo. Não visa, unicamente, a oferta formativa e
os métodos de ensino mas também os financiamentos, gestão, orientação geral e a
prossecução de objectivos a longo prazo. Remete a noções como o direito à
educação, equidade, eficiência, qualidade (e) aplicação global de recursos (…)
(sendo necessário) desencadear um dispositivo de avaliação objectivo e público
de modo a apreender a situação do sistema educativo, assim como o seu impacto
no resto da sociedade” (pp. 170- 171) [6].
A
tendência crescente de descentralização, por parte dos sistemas educativos
europeus tradicionalmente centralizados, e a consequente conceção de margens,
sempre maiores, de autonomia, às organizações escolares permitiu o surgimento
de um “paradigma de governança em todos os níveis de decisão política” (p.40) [13].
Jessop (2003, p. 1), citado por Simões (p.40) [13], define governança como a “arte complexa de conduzir
múltiplas agências, instituições e sistemas, que são simultaneamente autónomos
uns dos outros e estruturalmente agregados através de diversas formas de
interdependência”. Esta governança, segundo Hooghe & Marks (2001), citados
por Rufino (p.32) [12], “encontra (se) associada genericamente à dispersão das
hierarquias e das instâncias de decisão sobre terrenos sociais muito
abrangentes, acarretando como consequência uma perda de influência da autoridade
central do Estado e de afastamento das lideranças políticas”, exigindo que “´os
parceiros sociais se comprometam com uma auto-regulação da conduta, em nome de
um projecto social`, funcionando o Estado como um parceiro entre outros,
legitimando-se na sua capacidade de ´persuasão moral` e de ´mediação da
inteligência colectiva`” (Jessop, 2003, pp. 12-13, apud Simões, 2007, p.40) [13].
“Associar os diferentes atores sociais à tomada de
decisões constitui (…) o meio essencial de aperfeiçoamento dos sistemas
educativos” (p.172) [6]. É neste lema que se constata “uma maior ênfase
conferida à autonomia da escola, fenómeno que se encontra associado à
importância que se atribui à criação de uma cultura de avaliação em todos os
aspectos do sistema educativo” (p.10) [7].
É importante “uma ampla descentralização dos sistemas
educativos, apoiada na autonomia das escolas e na participação efectiva dos
agentes locais. (…) A autonomia dos estabelecimentos de ensino reveste-se de
diferentes aspectos. (…) De uma maneira geral convém desenvolver, em cada
estabelecimento de ensino, processos que definam o papel dos diferentes atores,
favorecendo a cooperação entre professores, direcção e pais, assim como o
diálogo com o conjunto da comunidade local. A prática da negociação e da
conciliação na gestão de estabelecimentos de ensino e na vida escolar constitui
(…) um factor de aprendizagem democrática”(p.173) [6]. Segundo Barroso (2005),
“é pelo reforço da sua identidade e da sua autonomia que as escolas podem
identificar-se com um determinado território educativo e associarem-se a outras
escolas para a resolução de problemas comuns” (p.139) [3].
São exemplos desta “territorialização” das políticas
educativas a criação de redes, formais ou informais, entre escolas, visando:
(i) “a emergência de territórios (…) que dão sentido à relação das escolas com
o espaço local”; (ii) “a coerência de um sistema educativo local, assegurando a
continuidade entre diferentes níveis e estabelecimentos de ensino”; (iii) “a
complementaridade dos recursos educativos através da cooperação entre as
escolas, em diferentes domínios, nomeadamente, da gestão” (ibidem, p.139).
“Avaliar uma
escola não é uma questão de medir variáveis, de uma maneira ou de outra. É
antes uma questão de saber até que ponto ´as pessoas` são centrais no programa
de acção de cada escola. Tal significa saber em que medida os alunos, e as suas
necessidades de aprendizagem vêm em primeiro lugar nas prioridades da escola e
dos seus agentes, e em que medida a escola é um centro de aprendizagem e de
desenvolvimento pessoal e profissional, para crianças, jovens e adultos” (p.216)
[4].
Na sua abrangência, a avaliação das escolas tem por
objetivo “dar voz a todos, como forma de recordar que todos devem ter voz, (…)
(consubstanciando-se na) audição de diversos membros da comunidade educativa e
dos parceiros da escola. Constituindo uma forma efectiva de recolha de informação
pertinente (…), visa também reconhecer a importância da participação dos
actores locais na vida da escola: pais, autarcas, empresas, associações
culturais e outros estabelecimentos de educação e ensino”(p.12) [7].
A avaliação das organizações escolares estrutura-se em
duas modalidades: a avaliação externa e a avaliação interna ou auto-avaliação. Em
conjunto, avaliação externa e auto-avaliação têm sido apresentadas como duas
vertentes de uma mesma estratégia de pressão às escolas, no sentido de ser
prestada uma maior atenção às questões das aprendizagens e reduzir o nível de
desperdício e de ineficiência do sistema educativo; questionar o rigor e a
adequação da preparação e formação inicial e contínua dos professores e criar
condições para rever a sua organização e funcionamento. (p.190) [4].
A avaliação
externa e a auto – avaliação são, assim, duas abordagens que se complementam na
promoção da eficácia das organizações escolares, visando a maximização das
aprendizagens dos seus alunos numa “relação estrita e complementar (…) enquanto
processo contínuo que envolve os actores (…) nas acções de melhoria das
escolas” (p.6) [9]. A auto-avaliação das escolas, que emerge “nas políticas
educativas no quadro de novos referenciais e de novos instrumentos de
governança, associada a conceitos como eficácia, eficiência e qualidade” (p.39)
[13], complementada pela avaliação externa e pelos espaços de autonomia de que
goza cada organização escolar, “é um instrumento de desenvolvimento das escolas
enquanto instituições com um projecto próprio e mobilizador dos seus recursos e
das suas competências” (p. 60) [9]. Esta modalidade de avaliação combina fontes
e processos variados de recolha de informação e cruza fontes e olhares diversos,
de modo a alcançar uma compreensão mais
profunda das escolas e das “dificuldades que enfrentam para prestar um serviço
educativo de melhor qualidade e de maior equidade” (ibidem, p.12).
Roullier (2004),
citado por Alves & Teixeira (2011) afirma que “dar relevo às práticas da
auto-avaliação de escola é abrir uma porta ao desenvolvimento da
profissionalização do seu corpo docente, enquanto ator colectivo ao serviço do
sucesso dos alunos e da melhoria da qualidade da escola” (p.155) [2].
Conforme já
afirmado, enquanto instrumento de regulação pública, a auto-avaliação “é tida
como a expressão de referenciais de conhecimento que induzem novas modalidades
de governança” (p.32) [12].Torna-se, assim, importante “a produção de
conhecimento situado, não num sentido instrumental e pragmático, para dizer às
escolas como fazer, mas num sentido compreensivo, levantando pontas de
questionamento que aumentem a ´reflexividade critica dos actores` e reforcem a
componente cognitiva dos processos de auto - avaliação e regulação.”
(Martuccelli, 2002, p. 28, citado por Simões, p.41)
[13].
Atendendo a que “sem referências, a auto-avaliação pode
ser produzida como uma estratégia débil e pouco exigente” (p. 221) [4], na sua avaliação
interna a escola não pode dispensar a existência de informação de referência,
de diferente natureza, que deve utilizar comparativamente na formulação de
juízos, na intenção de compreender até que ponto é semelhante ou diferente das
restantes organizações escolares. Nesta aceção, é cada vez mais pertinente a
avaliação comparada ou benchmarking.
O benchmarking,
que etimologicamente, significa “marcar o lugar” (p.230) [4] é habitualmente
utilizado como “comparação referenciada a padrões de desempenho, ou a
desempenhos melhores na mesma categoria, isto é, de sujeitos ou organizações
com as mesmas características ou nas mesmas condições, mas cujo desempenho é
melhor, globalmente ou em aspectos chave” (Ibidem, p, 230). Macbeath e McGlynn (2002),
citados por Clímaco (2005) definem benchmarking
como “o processo de medir e comparar padrões de um determinado desempenho com
os alcançados por outros, identificar melhores práticas e desencadear os passos
necessários para melhorar ou progredir”. O benchmarking
pode referir-se a “dados de desempenho, práticas, comportamentos, atitudes ou
percepções (…) (e) tem implícito um conjunto de procedimentos de aferição ou de
comparação de processos e de resultados, que passam pela identificação de
referentes para essa comparação, e pela marcação de metas de progresso” (p.
230) [4].
Segundo Clímaco (2005) a “comparação referenciada” ou “benchmarking” é uma técnica muito usada
nas organizações que se orientam para o desempenho, na medida em que a aferição
contribui: para concentrar a atenção e as energias nos conteúdos e no desempenho
do trabalho, desencadeando processos de aprendizagem; para combinar o conteúdo
do trabalho com modelos de formação tradicionais e com o desenvolvimento de
lideranças indispensáveis e para introduzir mudanças culturais significativas
nas organizações” (p.233) [4].
MacBeath e McGlynn (2002), citados por Clímaco (idem),
consideram mesmo que ao formalizar o benchmarking,
através do Método Aberto de Coordenação (em março de 2000, na Cimeira de
Lisboa) “os governos tornaram mais exigentes os desafios que se colocam às
escolas e fizeram da prestação de contas um processo mais transparente” (p.235)
[4].
Cada organização escolar, ao incluir no produto da sua avaliação
a “comparação referenciada ou ´benchmarking`,
abre caminho a um novo ciclo de gestão e de auto - avaliação, que pode viver,
durante um certo período, da acumulação dos ´bens de conhecimento` e da
´cultura de exigência`, ou de qualidade, adquiridos. São estes dois elementos
que irão fazer progredir o desempenho global e fazer sentir a necessidade de
encontrar novos parceiros, numa outra categoria de desempenho, para um novo
processo de ´benchmarking`” (p.243) [4].
Por sua vez, o desenvolvimento da capacidade de
aprendizagem, a partir da prática da auto-avaliação, deve prever “diferentes
modalidades de retorno de informação (feedback) que realimente as motivações e
o empenho dos empreendedores. A meta-avaliação constitui uma poderosa
modalidade de produzir informação de retorno (…) porque vai ´pôr à prova` o
nível de maturidade e de conscientização da cultura de avaliação existente na
escola e pondo-a à prova reforça-a, porque reforça a autonomia da escola e a
maturidade profissional da sua comunidade educativa” (p.229) [4].
Porém, para que a meta-avaliação seja uma realidade “é
fundamental estabelecer o equilíbrio entre a avaliação interna e a avaliação
externa, o que depende do tipo de instituição que é responsável pela avaliação
externa, do modo como a escola aderiu à auto-avaliação e dos instrumentos de
trabalho que utiliza. Quando as escolas são induzidas a utilizar os
instrumentos de trabalho usados na avaliação externa como apoio à sua
auto-avaliação e os seguem em exclusivo, as suas motivações, muitas vezes, são
mais de conformidade do que de conceber e pôr em prática um programa e uma
estratégia de desenvolvimento interno. Quanto mais obrigatória se torna a
auto-avaliação e quanto maior for a exposição pública das escolas, mais o
processo se converte numa prestação de contas, mais ritualizada e burocratizada
se torna e mais se reduz o seu potencial como estratégia de desenvolvimento
institucional e profissional e o empenho dos que se lançaram nesse
empreendimento. Haverá sempre algumas mudanças, mas tendem a ser superficiais e
de curta duração” (p.229) [4].
Em
síntese, “a avaliação deve consubstanciar dois objectivos: por um lado, deve
construir-se na negociação com os actores socioeconómicos e com os interesses
constituídos e, por outro, deve prestar contas” (p.39) [11]. É desta forma que
a avaliação das instituições escolares, nas suas diversas modalidades, tem vindo
a ser cada vez mais utilizada “como condição sine qua non para o desenvolvimento de processos de prestação de
contas e de responsabilização (accountability).
Ou seja, a prestação de contas, como ato de justificação e explicação do que é
feito, como é feito e porquê é feito, implica (…) que se desenvolva alguma
forma de processo ou de avaliação ou auto-avaliação” (p.84) [1].
Políticas e quadros de referência na avaliação das escolas e dos docentes
“O crescente protagonismo da avaliação nas políticas
educativas contemporâneas não confere à avaliação educacional apenas uma
dimensão política (…) mais do que isso (…) remete (…) para a sua natureza
política” (p.72) [8]. É nesta conformidade, que uma das funções principais da
avaliação é também política. A avaliação de um programa leva à tomada de
decisão sobre a adoção ou continuação de um determinado plano de acção. Assim,
torna-se relevante a função de recolha de informações e a comunicação dessa
recolha àqueles que têm de tomar decisões. Desta forma, os dados da avaliação
devem ser constituídos por informações claras, exatas, válidas e amplas, de
modo a que quem decide fique com um conhecimento completo da realidade (p.16)
[5].
O processo de
desenvolvimento de qualquer avaliação deve ancorar-se num conjunto de elementos
que sirvam de referência ao seu desencadeamento, ou seja, deve estruturar-se em
referenciais com os quais o objecto da avaliação vai ser relacionado e que
variam, necessariamente, em função do objecto a ser avaliado. “O conceito de
referencial (…) designa os quadros de representação e de inteligibilidade do
mundo que sustentarão as políticas públicas e explicarão as suas mudanças. (…)
O referencial global, ou referenciais globais, deverão pois influir não apenas
no modo de perceber e viver a avaliação pelos atores, mas também na própria
referencializacão de dispositivos e instrumentos” (p.41) [13]. Segundo Figari (1996),
citado por Graça et al. (2011), “a referencialização surge enquanto método de
delimitação de um conjunto de referentes que garanta que a avaliação é uma
construção na qual os próprios atores se envolvem e contribuem” (p.26) [5]. Só
desta forma “os referenciais de avaliação e os instrumentos adotados
representam (…) informação estratégica para os atores escolares, tal como (…)
os resultados produzidos e as suas eventuais consequências” (p.73) [8].
Enquanto complexo de práticas sociais e escolares, para
ser concretizada, a avaliação não depende apenas de decisões politicas mas
também e, sobretudo, da “referência a contextos organizacionais concretos e a
aparelhos mais ou menos complexos de administração”(p.72) [8].
Lise Demailly (1998), citada por Simões [13], aponta “quatro
lógicas presentes na avaliação de escolas: a lógica persistente dos meios; a
lógica do modernismo organizacional com uma centralidade forte e os professores
como quadros; a lógica propriamente neo‑liberal
e do mercado escolar; a lógica
do projecto crítico
e democratizante, contra o insucesso, pelo trabalho de equipa intra e inter-profissional,
com regulação
política
central e regulações
locais”
(p. 42) [13].
Pressupõe-se, então, que de um ponto de vista
estratégico, o encontro de lógicas distintas num contexto organizacional regula
e amplia a racionalidade da acção e, consequentemente, o seu grau de
satisfatoriedade. (p.42) [13]. A tendência crescente de desenvolvimento de políticas
orientadas para a performance competitiva, tem conduzido a uma revalorização da
racionalidade técnico-instrumental com a emergência de fenómenos simultâneos de
crítica à burocracia pública estatal e de defesa de modelos pós- burocráticos,
originando políticas avaliativas complexas e, por vezes, híbridas (p.72) [8].
Este “conhecimento focado na performance das escolas não se exerce no plano
exclusivamente ´técnico`: a sua difusão transporta também um potencial
regulador que propõe aos actores modos de regulação alternativos que substituam
a compulsão pela persuasão e surjam associados a uma ideia de qualidade e boas
práticas na prestação de um serviço público” (p.33) [12]. É um regime que, como
observa Barroso (2005) citado por Rufino (ibidem, p.33), trata de substituir um
controlo directo e apriorístico sobre os processos, por um controlo remoto e, a
posteriori, incidente sobre os resultados.
Deste modo, têm sido desenvolvidos “instrumentos de
avaliação de escolas, professores, manuais escolares e currículos, visando
melhorar a qualidade do ensino e da aprendizagem segundo critérios de elevada
exigência e rigor” (p. 10) [7]. As novas formas de regulação e de integração
dos sistemas públicos tornam-se aplicações instrumentais de processos de
conhecimento que passam por referenciais de comparação e lógicas de eficiência
que influenciam a decisão politica (Ozga, 2006, citado por Rufino, p.32) [12].
É convicção crescente e, socialmente, cada vez mais
generalizada, que uma das variáveis mais importantes na determinação do sucesso
dos alunos, é atribuída ao professor e à qualidade das suas práticas. Professores
empenhados, comprometidos com a aprendizagem dos seus alunos mostram, de facto,
resultados muito mais amplos e eficazes do que aqueles que se limitam a exercer
papéis de agentes de ensino. Desta constatação emerge “uma atenção renovada
pelas estratégias de avaliação de professores e (…) uma reorientação política
quanto às grandes finalidades e objectivos gerais da avaliação. Estes, devem
passar pela sua responsabilização e prestação de contas, por um lado e pelo
desenvolvimento profissional, por outro. O objectivo da prestação de contas tem
a ver com o dever social de o professor informar a comunidade local e nacional
dos resultados do seu trabalho. O objectivo de ´apoio ao desenvolvimento
profissional` reflecte a necessidade de o professor promover o seu
desenvolvimento pessoal e profissional para melhorar permanentemente, e ao
longo da vida, os seus conhecimentos, capacidades, atitudes e valores e a
qualidade do seu trabalho” (pp.2-3) [10].Na percepção de Ramos (n.d) “a
preocupação maior, a grande finalidade da avaliação, é obter a melhoria dos
resultados dos alunos e a eficácia da acção docente” (p.4) [10].
Neste pressuposto, tem todo o cabimento a ênfase que vem
sendo dada à “avaliação formativa, de regulação e de acompanhamento, cujos
resultados darão lugar (…) a programas de formação contínua e ao recurso de
variadas estratégias e metodologias, cuja frequência e utilização ajudará os
professores a refletir sobre os princípios, os valores e as conçeções que, por
um lado, lhes são anteriores, exteriores e até mesmo superiores, mas que, por
outro, evoluem e se alteram face aos riscos da democracia” (pp 5-6) [5].
“A mudança de
perspectiva que emerge neste processo contínuo de balanço entre os dois pólos –
a responsabilização e prestação e contas e o desenvolvimento profissional –
como traço significativo quanto à avaliação de professores está igualmente
associada ao facto de se considerar que a melhoria do ensino e das
aprendizagens deve observar-se em comparações referenciadas (benchmarking), colocando a ênfase nos
resultados obtidos, em particular nas formações estruturantes”. (pp. 3-4) [10].
A avaliação das escolas em Portugal
Apesar de contemplada na Lei 46/86 de 14 de Outubro
(LBSE), no seu artigo 49º, ponto 1, que afirma que o sistema educativo deve ser
objecto de avaliação continuada, só no final de 2002 foi publicada a lei que
aprova e define o sistema de avaliação da educação e do ensino não superior
concretizando, desta forma, o previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo.
A primeira experiência de avaliação, em Portugal,
decorreu entre 1997/1998 e 2001/2002, quando a Inspeção Geral da Educação
desenvolveu um programa de avaliação externa das escolas – a avaliação
integrada – que compreendeu a conceção de um modelo de avaliação externa a ser
replicado ou adaptado pelas escolas na sua auto avaliação, a elaboração de
roteiros de observação do desempenho para todos os níveis e ciclos de educação
e de ensino, o desenho de uma metodologia de intervenção distinta da cultura
introspectiva tradicional e a formação dos inspectores (p.217) [4]. No final de
2002, a Lei nº 31/2002, de 20 de dezembro, finalmente normativizou o sistema de
avaliação dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e
secundário e definiu as orientações gerais para a auto-avaliação e a avaliação
externa.
Devidamente
regulamentada, a avaliação externa das organizações escolares portuguesas
arrancou, no ano escolar de 2005/2006, em projecto-piloto constituído por 24
escolas, realizada pelo então criado Grupo de Trabalho para a Avaliação das
Escolas.
Na visão da
Inspeção Geral da Educação, “a escola é o primeiro destinatário e a unidade
central de análise, pois a avaliação externa pretende, antes de mais,
constituir-se como um instrumento útil para a melhoria e o desenvolvimento de
cada escola” (p.9) [9]. “Entendemos a Avaliação Externa das Escolas como um
contributo pertinente para o desenvolvimento organizacional (…) e para a
melhoria da qualidade das aprendizagens e dos resultados escolares dos alunos.
Através de um melhor conhecimento de cada escola, em particular, e do serviço
educativo, em geral, pretende-se incentivar práticas de auto-avaliação,
promover uma ética profissional marcada pela responsabilidade, fomentar a
participação social na vida escolar e contribuir para que as crianças e os
jovens encontrem nas escolas espaços educativos que os sirvam cada vez melhor”
(Ibid., p.5).
Entre as ambições da avaliação externa encontra-se a
expectativa de fomentar, em cada escola intervencionada, a auto-avaliação e a
oportunidade de melhoria, se os seus resultados forem usados como instrumento
de reflexão e de debate. “Ao identificar pontos fortes e pontos fracos, bem
como oportunidades e constrangimentos, a avaliação externa oferece elementos para
a construção ou o aperfeiçoamento de planos de melhoria e de desenvolvimento de
cada escola, em articulação com a Administração Educativa e com a comunidade em
que se insere” (p.12) [9].
A auto‑avaliação das escolas públicas, prevista na lei desde dezembro
de 2002 (Lei nº 31/2002), implementa-se, em muitas escolas, condicionada pela
avaliação externa da responsabilidade da Inspeção Geral da Educação. Sendo que
o principal objectivo da avaliação externa é a revalidação da autoavaliação, torna-se
fundamental o equilíbrio entre as duas formas de avaliação, já que a avaliação
externa vai corresponder a uma meta avaliação e concentrar-se na aferição dos
níveis de rigor e de efetividade das políticas educativas de escola e dos seus
mecanismos de controlo; nos processos de autoavaliação dos alunos e no
progresso qualitativo da escola. Quando as escolas se limitam a adotar os
instrumentos de avaliação disponibilizados pelos avaliadores externos para se
auto avaliarem e não constroem os seus próprios instrumentos de avaliação as
suas motivações são apenas de conformidade e como tal, insuficientes para
construírem um programa de desenvolvimento endógeno e contextualizado que
permita o crescimento da organização escolar como comunidade aprendente. Nesta
situação, “haverá sempre algumas mudanças, mas tendem a ser superficiais e de
curta duração” (p.229) [4]. Segundo Lima, (2011) “esta filosofia avaliativa,
mais orientada para a confirmação ou a infirmação do que para a descoberta, (…)
mais contábil ou calculativa do que heurística e interpretativa, tende a
conferir menor protagonismo à avaliação dos processos e às dimensões
programáticas e políticas, e maior centralidade à avaliação dos produtos ou
resultados, à quantificação, à comparação e hierarquização. (…) Embora procure
avaliar as organizações, os atores ou as práticas escolares, este tipo de
avaliação transcende-os completamente, está para além deles e quase inteiramente
fora do seu controlo” (pp. 75-76) [8].
É desta forma que, nos últimos tempos, o nosso sistema
educativo parece querer caminhar para uma nova recentralização do controlo das
politicas educativas que, já não podendo ser exercida à priori, por conta da
autonomia das instituições, passa a ser realizada à posteriori, baseada apenas
nos resultados nos alunos. Prova desta tendência recentralizadora é a adoção de
medidas de accountability, como é exemplo
a reintrodução dos Exames Nacionais, nos anos finais de ciclo do ensino básico
e no ensino secundário, e a utilização dos seus resultados, por parte da
sociedade civil, para a elaboração de rankings de instituições escolares. Tal
tendência não só tem provocado a emergência e o fortalecimento de fenómenos de
mercado e de quase-mercado, na Educação, como o enviesamento dos currículos que
passam a ser trabalhados em função desses exames e o mal-estar crescente entre instituições
educativas e entre os próprios docentes, obrigados a reconfigurar as suas
funções quotidianas, por pressão das próprias instituições escolares.
Conclusão
Almejando a eficaz preparação da sociedade para os
desafios da globalização e colocando a ênfase dessa preparação na educação dos
cidadãos, os sistemas educativos dos diferentes países têm sido alvo de
profundas transformações e as suas instituições públicas, particularmente
focalizadas. “As políticas de avaliação, de prestação de contas e de
responsabilização (accountability)
foram ganhando (…) imunidade às concessões político – ideológicas dos governos,
disseminando e homogeneizando muitos dos seus efeitos” (p.87) [1] pelo menos em
muitos países da União Europeia, como é o caso de Portugal, onde a avaliação
das escolas públicas é uma realidade desde o ano de 2006/2007.
Qualquer avaliação, para além de servir de fundamento a
novas políticas educativas, tem um valor pedagógico, na medida em que “dá aos
diferentes atores um conhecimento mais perfeito da sua atuação, difunde (…) a
capacidade de inovação, dando a conhecer iniciativas coroadas de sucesso e as
suas condições de realização. No fundo, leva a considerar a hierarquia e a
compatibilidade das opções e dos meios, à luz dos resultados” (p.171) [5].
A avaliação
interna das instituições, hoje, uma realidade, afigura-se como uma importante
forma de produção de conhecimento situado, permitindo a reflexão e a
aprendizagem, em conjunto, por parte dos atores nela envolvidos. Como processo
de construção de conhecimento, a auto-avaliação das organizações escolares
permite a utilização dos dados dessa avaliação nos processos políticos que
estas protagonizam, constituindo um manancial de argumentos para a negociação e
para a acção. “A ´cultura de avaliação` pode assim ser entendida como um
processo intrínseco de construção, e não como uma condição ou uma finalidade da
avaliação” (p.45) [13].
Porém, se a avaliação visa o reconhecimento das
diferenças, a partir das quais se constrói um sistema competitivo e
hierarquizado, é indispensável garantir que os objetos em comparação são comparáveis,
ou seja, que a comparação seja assumida e faça sentido para os intervenientes.
A construção de um sistema de avaliação, exige sempre um mínimo de convergência
sistémica e a integração das unidades a serem avaliadas para que, posteriormente,
se possa passar da “convergência normativa para a divergência competitiva e
diferenciadora. Convergir para divergir, ou integrar para diferenciar, são os
processos que permitem construir um sistema competitivo e hierarquizado,
introduzindo a rivalidade como elemento central, pois entende-se que ´competir
para progredir` representa um princípio incontornável (…) também na educação”
(pp.76-77) [8].
Em jeito de conclusão, qualquer “sistema de accountability democraticamente avançado
inclui a avaliação, a prestação de contas e a responsabilização, mas dentro de
articulações congruentes que se referenciem ou sustentem em valores essenciais
como a justiça, a transparência, o direito à informação, a participação, a
cidadania” (p. 86) [1].
Referências bibliográficas:
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